domingo, 26 de janeiro de 2014

Explicando as Aparentes Contradições na Bíblia II


O Evangelho de Mateus parece incongruente quanto aos sinóticos e também oximoro ao At. Será que existe alguma explicação para essa disparidade? Veja!

Por que a Bíblia não desabonou os reis magos, por seguirem a estrela, já que ela condena a astrologia?

PROBLEMA: A Bíblia condena o uso da astrologia (veja Lv 19:26; Dt 18:10; Is 8:19), contudo Deus abençoou aqueles homens sábios (os magos) por terem usado uma estrela como indicação do nascimento de Cristo.

SOLUÇÃO: Em primeiro lugar, temos de nos perguntar o que é a astrologia. Astrologia é a crença de que o estudo da disposição e do movimento das estrelas pode capacitar alguém a prever acontecimentos - sejam eles bons ou maus.
Em segundo lugar, essa estrela apareceu no relato bíblico para anunciar o nascimento de Cristo, não para prever este acontecimento. Deus deu a estrela aos magos para proclamar-lhes que já era nascida a criança. Sabemos que o menino já tinha nascido, porque em Mateus 2:16 Herodes ordenou matar em Belém e arredores todos os meninos até dois anos, de acordo com "o tempo do qual com precisão se informara dos magos".
Em terceiro lugar, há outros casos na Bíblia nos quais estrelas e planetas
são usados por Deus na revelação de sua vontade. O Salmo 19:1-6 afirma que
os céus proclamam a glória de Deus e Rm 1:18-20 nos ensina que a criação
revela a existência de Deus. Cristo refere-se ao que acontecerá com o sol, com
a lua e com as estrelas na sua segunda vinda (Mt 24:29-30), como o fez o
profeta Joel (2:31-32). A estrela que guiou os magos não foi usada para prever, mas para proclamar o nascimento de Cristo.
Como podemos explicar a citação aparentemente falha de
Miquéias 5:2 feita por Mateus?

PROBLEMA: Mateus 2:6 cita Miquéias 5:2. Entretanto, as palavras que Mateus
emprega são diferentes das que foram usadas por Miquéias.
SOLUÇÃO: Embora Mateus pareça ter mudado algumas das palavras da
passagem de Miquéias, não há um real desvio no sentido do texto. Em alguns
pontos, ele parece estar parafraseando.
Primeiro, Mateus insere a expressão "terra de Judá" no lugar da palavra
"Efrata". Isso na verdade não muda o sentido do versículo. Não há diferença
entre terra de Judá e Efrata, exceto que uma é mais específica do que a outra.
De fato, Efrata refere-se a Belém na passagem de Miquéias, e Belém localiza-se
na terra de Judá. Entretanto, isso não altera o sentido básico deste versículo.
Ele fala da mesma área de terra. É interessante notar também que, quando
Herodes perguntou aos principais sacerdotes e escribas sobre onde o menino
deveria nascer, eles disseram: "em Belém da Judéia" (Mt 2:5).
Segundo, Mateus descreve a terra de Judá como não sendo "de modo
algum a menor", ao passo que Miquéias afirma que ela é "pequena demais". O
que Mateus está dizendo é que desde que o Messias deva vir dessa região, ela
de forma alguma é a menor entre as outras áreas da terra de Judá. A frase de
Miquéias diz apenas que Belém é bem pequena, bem diminuta, quando
comparada às outras cidades da terra de Judá. O versículo não diz que ela é a
menor entre elas, apenas que é muito pequena. Mateus está dizendo a mesma
coisa com outras palavras, ou seja, que Belém é pequena em tamanho, mas de
forma alguma a menor em importância, já que dela sairia o Messias.
Finalmente, Mateus emprega a frase: "que há de apascentar a meu povo,
Israel", e Miquéias não diz nada a respeito disso. Miquéias 5:2 reconhece que
haverá aquele que "há de reinar em Israel", e Mateus também reconhece isso,
com a expressão "o Guia". Contudo, a frase que não é dita por Miquéias na
verdade é tirada de 2 Samuel 5:2.
A combinação desses versículos não anula o que está sendo dito, mas
reforça o ponto que o autor quer salientar. Há outros casos em que isso ocorre
também, em que o autor combina um texto da Escritura com outro. Por
exemplo, Mateus 27:9-10 pega uma parte de Zacarias 11:12-13 e outra de
Jeremias 19:2,11 e 32:6-9. Também, Marcos 1:2-3 toma uma parte de Isaías
40:3 e outra de Malaquias 3:1; e somente a primeira é mencionada, já que ela
é a mais importante.
Em resumo, Mateus não apresenta nada de errado ao citar Miquéias 5:2 e
2 Samuel 5:2. A citação é precisa, mesmo tendo ele parafraseado uma parte
dela e combinado com outra porção da Escritura.
Mateus não errou quando citou uma profecia não encontrada
no AT?
PROBLEMA: Mateus afirma que Jesus mudou-se para Nazaré, para "que se
cumprisse o que fora dito por intermédio dos profetas: Ele será chamado
Nazareno" (Mt 2:23). Entretanto, tal profecia não é encontrada em nenhum
profeta do AT. Será que Mateus cometeu um erro?
SOLUÇÃO: Mateus não disse que algum "profeta" (no singular) do AT tenha
afirmado isso. Ele simplesmente afirmou que "profetas" (no plural) que
viveram no AT predisseram que Jesus seria chamado Nazareno. Dessa forma,
não há por que acharmos que devemos encontrar um versículo nesse sentido;
devemos simplesmente considerar como sendo a afirmação de Mateus uma
verdade geral, que pode ser encontrada em muitos profetas, no que
corresponde ao tipo característico do nazareno. Há várias sugestões de como
Jesus teria "cumprido" (realizado) essa verdade.
Alguns apontam para o fato de que Jesus cumpriu todos os requisitos de
justiça da Lei do AT (Mt 5:17-18; Rm 8:3-4), da qual uma parte envolvia o
santo compromisso feito no voto de "Nazireu". Esse voto era para "consagrar-se
para o Senhor" (Nm 6:2), e Jesus cumpriu isso perfeitamente. Entretanto, a
palavra é diferente tanto no hebraico como no grego, e Jesus nunca fez esse
voto em particular.
Outros apontam para o fato de que Nazaré provém da palavra básica
nctzer (renovo). E muitos profetas falaram do Messias como sendo o "Renovo"
(cf. Is 11:1; Jr 23:5; 33:15; Zc 3:8; 6:12).
Ainda outros observam que a cidade de Nazaré, onde Jesus viveu, era
um lugar desprezado, "fora dos bons caminhos". Isso ficou evidente na
resposta de Natanael: "De Nazaré pode sair alguma coisa boa?" (Jo 1:46).
Considerando isso, "Nazareno" era um termo de desprezo apropriado ao
Messias, a respeito de quem os profetas haviam predito que seria "desprezado e
o mais rejeitado entre os homens" (Is 53:3; cf. SI 22:6; Dn 9:26; Zc 12:10).
Há um erro de Mateus ou de Lucas, no registro da tentação de Cristo no deserto?

MATEUS 4:5-10 (cf. LUCAS 4:5-12)
PROBLEMA: De acordo com Mateus e Lucas, a primeira tentação foi a de
transformar pedras em pão para satisfazer a fome de Jesus. De acordo com
Mateus, a segunda tentação aconteceu no pináculo do templo, e a terceira
envolveu todos os reinos do mundo. Entretanto, embora Lucas mencione esses
mesmos dois eventos, ele o faz pela ordem inversa - os reinos do mundo são
mencionados em segundo lugar e o pináculo do templo, em terceiro. Qual é
então a ordem correta?
SOLUÇÃO: Pode ser que Mateus esteja descrevendo essas tentações em ordem
cronológica, ao passo que Lucas se ateve à ordem que propiciassem clímax, ou
seja, conforme os tópicos envolvidos. Isso para expressar clímax que Lucas
desejava enfatizar. Observe que Mateus 4:5 começa com a palavra "então", e o
versículo 8 tem a palavra "ainda". No grego, essas palavras sugerem uma certa
ordem sequencial dos eventos. Já no relato de Lucas, porém, o versículo 5
começa com um simples "e", e o versículo 9 com uma palavra que no grego
corresponde a "e" ou "também" (veja SBTB). O grego, no registro de Lucas, não
indica necessariamente uma ordem sequencial dos eventos. Além disso, não
há discordância alguma quanto ao fato de que essas tentações realmente ocorreram.
Por que Mateus cita Isaías de forma incorreta?
MATEUS 4:14-16.
PROBLEMA: Mateus parece não citar Isaías 9:1-2 de forma precisa. Pelo
contrário, parece que ele fez alterações.
SOLUÇÃO: Para que haja fidelidade ao texto citado, não é necessário usar
exatamente as mesmas palavras. Mateus não distorce o sentido dessa
passagem. Ele simplesmente a condensa ou resume. Parafrasear com
fidelidade não é distorcer. Não fosse assim, nenhum noticiário, nenhum
registro histórico teria fidelidade, já que todos eles resumem o que aconteceu;
isso é essencial no registro de fatos históricos.
Quem é a luz do mundo, os crentes ou Jesus?
MATEUS 5:14.
PROBLEMA: Nessa passagem, Jesus disse a seus discípulos: "Vós sois a luz do
mundo". Entretanto, em João 9:5, Jesus declarou: "Sou a luz do mundo". Quem
é então a luz do mundo, Jesus ou os seus discípulos?
SOLUÇÃO: Tanto Jesus como os discípulos são a luz do mundo. Jesus é a luz
primária, e nós, seus discípulos, somos a luz secundária. Assim como a luz do
sol é para a lua, Jesus é a fonte da luz, e nós somos os refletores dessa luz.
Jesus disse: "Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo" (Jo 9:5). Agora
que ele não mais está aqui, nós somos sua luz, refletida para o mundo.
Jesus veio para pôr um fim na Lei de Moisés?
MATEUS 5:17-18.
PROBLEMA: Jesus disse muito explicitamente: "Não penseis que vim revogar
a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir." Entretanto,
certa ocasião Jesus aprovou seus discípulos quando eles quebraram a lei dos
judeus quanto ao trabalho no sábado (Mc 2:24), e o próprio Jesus
aparentemente aboliu a lei cerimonial ao considerar puros todos os alimentos
(Mc 7:19).
Os discípulos de Jesus rejeitaram claramente muito do que era da lei do
AT, inclusive a circuncisão (At 15; Gl 5:6; 6:15). De fato, Paulo declarou: "Não
estais debaixo da lei e sim da graça" (Rm 6:14), e afirmou, também, que os Dez
Mandamentos, gravados em pedra, tinham sido removidos em Cristo (2 Co
3:7,14).
SOLUÇÃO: Na questão quanto a se a Lei de Moisés foi abolida por Cristo, a
confusão se estabelece por se deixar de fazer distinção entre várias coisas.
Em primeiro lugar, há a confusão do tempo. Durante sua vida terrena,
Jesus sempre guardou pessoalmente a Lei de Moisés, inclusive oferecendo
sacrifícios aos sacerdotes judeus (Mt 8:4), participando das festas judias (Jo
7:10) e comendo o cordeiro pascal (Mt 26:19). De vez em quando ele violava as
tradições falsas dos fariseus, que tinham sido levantadas em torno da Lei (cf.
Mt 5:43-44), repreendendo-os: "Invalidastes a palavra de Deus, por causa da
vossa tradição" (Mt 15:6). Os versículos que indicam que a Lei foi cumprida
referem-se à situação depois da cruz, quando não há "nem judeu nem grego...
porque todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gl 3:28).
Em segundo lugar, há uma confusão quanto a certos aspectos. Pelo
menos algumas das referências (se não todas) à Lei, a respeito de elas terem
sido abolidas no NT, referem-se a cerimônias e tipos do AT. Esses aspectos
cerimoniais e tipológicos da Lei de Moisés foram de forma clara abolidos
quando Jesus, o nosso cordeiro pascal (1 Co 5:7), cumpriu os tipos e predições
da Lei quanto à sua primeira vinda (cf. Hb 7-10). Nesse sentido, Jesus
claramente aboliu os aspectos cerimoniais e tipológicos da Lei, não
destruindo-a, mas cumprindo-a.
Finalmente, há uma confusão quanto a contexto, mesmo quando as
dimensões morais da Lei são discutidas. Jesus, por exemplo, não apenas
cumpriu as exigências morais da Lei por nós (Rm 8:2-3), mas também o
contexto nacional e teocrático no qual os princípios morais de Deus foram
expressos no AT não mais se aplica aos cristãos nos dias de hoje. Por exemplo,
não estamos debaixo dos mandamentos como Moisés os expressou para o povo de Israel, porque, ao serem expressos ao povo nos Dez Mandamentos,
eles traziam a recompensa de que os judeus viveriam uma longa vida "na terra
[da Palestina] que o Senhor, teu Deus, te dá [aos israelitas]" (Êx 20:12). Quando
o princípio moral contido nesse mandamento do AT é estabelecido no NT, ele
se expressa num contexto diferente, a saber, num contexto que não é nacional
nem teocrático, mas pessoal e universal.
Para todas as pessoas que honram seus pais, Paulo declara que eles terão
"longa vida sobre a terra" (Ef 6:3). De igual forma, os cristãos não mais estão
debaixo do mandamento de Moisés para cultuarem no sábado (Êx 20:8-11), já
que, depois da ressurreição, das aparições e da ascensão (as quais ocorreram
todas no domingo), os cristãos cultuam no domingo em vez de no sábado
(veja At 20:7; 1 Co 16:2).
O culto do Shabbath, declarou Paulo, era no AT apenas uma "sombra" da
realidade nova que foi inaugurada por Cristo (Cl 2:16-17). Já que até mesmo
os Dez Mandamentos, como tais, foram expressos dentro de um contexto
nacional, judeu, teocrático, então o NT pode falar corretamente que o que
estava "gravado em pedras" foi, "em Cristo, removido" (2 Co 3:7,13-14).
Entretanto, isso não significa que os princípios morais contidos nos Dez
Mandamentos, que refletem a verdadeira natureza de um Deus imutável, não
são mais pertinentes aos crentes nos dias de hoje. De fato, cada um dos
princípios contidos nos Dez Mandamentos é restabelecido num outro contexto
no NT, exceto, é claro, o mandamento para descansar e cultuar no sábado.
Os cristãos hoje não mais se acham debaixo dos Dez Mandamentos tais
como foram dados por Moisés, da mesma forma como não estamos debaixo
dos requisitos da Lei Mosaica de sermos circuncidados (veja At 15; Gl 3) ou de
levarmos um cordeiro ao templo em Jerusalém para ser sacrificado. O fato de
estarmos presos a leis morais semelhantes confia o adultério, contra a
mentira, contra o roubo e contra o assassinato não prova que estamos ainda
debaixo dos Dez Mandamentos, assim como o fato de haver leis de trânsito
semelhantes nos diversos estados de um país não implica que um infrator da
lei no estado "A" esteja sujeito à lei do estado "B".
A verdade é que aquele que violou uma lei no estado "A" não violou lei
alguma do estado "B", nem muito menos está sujeito às penalidades impostas
neste estado. Da mesma maneira, embora tanto o AT como o NT se
pronunciem contra o adultério, a punição no entanto é diferente - a pena
capital no AT (Lv 20:10) e somente a excomunhão da igreja no NT (1 Co 5:1-
13), com a esperança de uma reintegração mediante o arrependimento (cf. 2
Co 2:6-8).
Referências Bibliográficas
Manual popular de dúvidas, enigmas e “contradições”
da Bíblia / Norman Geisler, Thomas Howe; traduzido por
Milton Azevedo Andrade. — São Paulo: Mundo Cristão,
1999-
Título original: When critics ask
ISBN 85-7325-188-9
1. Bíblia—Autoridade, testemunhos etc. 2. Bíblia —
Miscelânea I.Howe, Thomas II.

Profº Euler lopes

O Evangelho de Marcos


Data de composição

a. O testemunho do próprio livro
Não faltaram pesquisadores em tempos recentes que dataram o evangelho de Marcos até no século II, mas a grande maioria das indicações gravita em torno do ano 70, quando aconteceu a destruição de Jerusalém e seu templo na guerra judaico-romana. Esta guerra começou no ano 66 e na verdade só terminou em 73, com a queda da fortaleza de Massada. Nas tentativas de datação, geralmente a questão é o quanto o cap 13 nos indica. Ali Jesus prevê o fim do templo, como castigo divino iminente.
Quem declara a ideia da profecia genuína como carente de base, de qualquer forma precisa colocar o livro depois do ano 70. Neste caso a predição de Jesus é vaticinium ex eventu, isto é, só uma suposta profecia de Jesus, que foi colocada em sua boca depois de acontecida a catástrofe. Todavia, também contando com a profecia autêntica, pode-se chegar a uma data posterior a 70, caso se acredite que a profecia foi transmitida em uma forma na qual a recordação do cumprimento recém-acontecido reverbera. Qual o sentido p. ex. da intervenção “quem lê entenda” em 13.14? O sinal para a fuga, ou seja, o “abominável da desolação”, poderia já fazer parte do passado, e a menção é uma lembrança de todas as circunstâncias terríveis. A intenção é que o leitor tenha em mente, emocionado, a profecia com seu cumprimento exato.
A outra alternativa, porém, também é plausível: conforme as notícias mais recentes – era necessário contar com uma média de dois meses para a entrega de uma carta de Jerusalém em Roma, naquela época (Blinzler, p 272s) – a situação “abominável” prevista por Jesus estava tomando forma. Com isto estava dado o sinal da fuga para os irmãos em Jerusalém. A pedra começara a rolar, e o fim do judaísmo centrado no templo estava à mão. O leitor, que vivia neste período carregado de crises, deveria levar em conta que Jesus tinha anunciado tudo isto há 40 anos.
Na questão da data também entra em consideração a pergunta se a palavra sobre a destruição do templo em 13.2 podia ser transmitida de modo genérico e sem comentários, como se o cumprimento tivesse ocorrido recentemente, e o quadro resultante do fim estava diante dos olhos. A idéia é que o texto deveria sugerir isto. Pergunto: Isto é mandatório? Talvez tenhamos uma impressão errônea da ética de tradição de um Marcos que segue com disciplina a sua fonte? (cf 8a).
Pressentimos que as tentativas de ouvir o testemunho do próprio livro continuarão, e provavelmente jamais chegarão a conclusões indubitáveis. Uma visão panorâmica sobre as respostas mais recentes mostra que Wikenhauser, Schmid, G. Haufe, Schweizer, Grässer, Lohse e Riesner datam o livro antes de 70, Kümmel deixa a questão em aberto e Grundmann, Pesch, Gnilka e Schmithals se decidem por uma época depois de 70.

b. A voz da tradição
De acordo com a observação de Papias, o livro não pode ter sido escrito antes do ano 64, porque – até onde se pode ver – a morte de Pedro é pressuposta. Marcos deve ter começado logo seu trabalho, pois exatamente a morte do apóstolo lhe serviu de motivação. Por outro lado, motivação, decisão, pesquisa e execução não devem ser concentrados em poucos meses. Pelo meu entendimento de 13.14 (cf comentário) eu dato a fase final por volta de 67-68.

A estrutura do livro

a. A divisão geográfica em três partes
Pelo visto havia um fio condutor para as histórias de Jesus, originário de Jerusalém, que p. ex. também Pedro levou para o trabalho missionário. Este esboço muito simples, que p. ex. não leva em consideração que Jesus esteve várias vezes em Jerusalém, foi seguido também por Marcos:
Batismo, pregação e curas na Galiléia e nas regiões adjacentes At 10.36-38; Mc 1–9
Pregação na Judéia e em Jerusalém At 10.39a; Mc 10–13
Paixão, morte e ressurreição At 10.39b,40; Mc 14–16
b. A divisão cristológica em duas partes
Todos os expositores perceberam que este evangelho é dividido ao meio por um corte profundo. Estas duas partes se sobrepõem à divisão anterior em três partes. O corte em questão é a confissão de Pedro, que faz com que a 1ª parte vá até 8.26 e a 2ª comece em 8.27. A partir de algumas indicações do livro, queremos mostrar que se trata de um ponto de transição importante em vários sentidos.
Em primeiro lugar, percebe-se uma mudança geográfica. Os movimentos dispersivos do Senhor alcançaram seu ponto mais setentrional. Daqui em diante, seu caminho o conduz claramente para o sul, para Jerusalém. Ao mesmo tempo, a narrativa muda o enfoque dos milagres de Jesus para a instrução dos discípulos. A 1ª parte tinha quase a metade ocupada com milagre após milagre; a 2ª parte só registra três atos de poder, mas relatados do ponto de vista do ensino (9.14-29; 10.46-51 e 11.12-14,20-25). Em vez disto, a instrução dos discípulos passa para o primeiro plano (8.31–9.1; 9.9-13,28,29,30-32,33-50; 10.10-12,13-16, 23-31,35-45; 11.20-26; 13.1-37). Até ali, com exceção do cap 4, só se falou do ensino sem mencionar o conteúdo. Agora isto entra no lugar dos muitos milagres que Jesus fez: o grande milagre, superior a qualquer outro, que é ele mesmo.
O segredo messiânico é desvendado gradativamente. A mudança já se vê em que, exceto na introdução do livro em 1.1, só a partir de agora aparece o título “Cristo” (8.29; 9.41; 12.35; 13.21; 14.61; 15.32). A este se juntam outros títulos com o mesmo sentido. Na 1ª parte, o mistério da pessoa de Jesus já deixava todo mundo curioso (1.22,27; 3.21,22,30; 4.41; 6.2,14s; 8.11), mas Jesus retinha a resposta. A voz do céu o identificou, mas só dirigindo-se diretamente a ele (1.11: “Tu”, contra 9.7: “Este”). Os demônios o conhecem, mas recebem a ordem de guardar silêncio (1.25,34; 3.12; 5.6-8). Milagres poderosos deixam desconfiar quem ele é, mas os presentes recebem a ordem de silêncio como os demônios (5.43; 1.44a; 7.36; 8.26). É importante que se diga que eles não deviam silenciar sobre os milagres, pois estes eram realizados totalmente em público (1.33s; 2.10; 3.3; 5.30), mas sobre sua identidade, que certos milagres esboçavam. Sendo assim, o povo imaginava: ele é um blasfemador (2.7), um lunático (3.21), um possesso (3.22,30), um profeta (6.14,15), etc. Os discípulos também não entendiam (6.52, 8.17s). A 2ª parte, contudo, traz um quadro diferente. Em primeiro lugar, Jesus é confessado corretamente como Cristo pelo grupo dos discípulos (8.29; cf 9.7), depois pelos peregrinos (10.47-49), na entrada triunfal (11.9,10), diante do Sinédrio (14.61s), de Pilatos (15.2) e, finalmente, perante todo o Israel (15.9,12,26,32,39). Com a aproximação da cruz, a confissão se torna cada vez mais franca; depois da morte, bem aberta. A esta altura os mal-entendidos sobre a qualidade do seu messianismo estão fora de questão.
O esclarecimento do mistério messiânico, portanto, anda em paralelo com a formação do mistério da paixão. A 1ª parte já indicou veladamente o sofrimento de Cristo (2.7,20; 3.6 e as parábolas). A partir de 8.31 “ele expunha isto claramente” (v 32), como em 8.31; 9.12,31; 10.33s,45; 12.8; 14.21,22-24,41. O mistério da paixão está ligado principalmente ao título de Filho do Homem. Das catorze passagens com este título, doze se encontram na 2ª parte. O mistério messiânico é substituído pelo mistério do Filho do Homem. Por esta razão, apesar de o confessarem como Messias, os discípulos continuam sem entender. Eles se parecem com o cego curado parcialmente em 8.24s, que já pode ver, mas não com precisão. Pedro ameaça (8.32b) e nega (14.30) este Messias, Judas o entrega (14.18), todos fogem (14.27) e o abandonam (14.50), de modo que ele fica totalmente só no sofrimento.
Assim como o mistério messiânico da 1ª parte é desvendado na 2ª, o mistério do Filho do Homem é revelado na ressurreição. Isto o Senhor anunciou em 9.9. Em 16.7, a nova comunidade do ressurreto se forma. O comandante ao pé da cruz é testemunha (15.39).

 Traços característicos da mensagem do livro

a. Nota prévia: teologia marquínica?
Quase todos os comentadores mais recentes sentem-se obrigados a pesquisar a questão da teologia própria de Marcos. Todavia, é preciso tomar consciência da situação do evangelista. Ela é totalmente diferente da de Paulo ao redigir a carta a uma igreja. O missivista apostólico fora provocado a, de certo modo, pregar por carta, aconselhar por carta, mas o evangelista tinha tradição a transmitir. Certamente ele o fez com fé no coração e perfil teológico. Sua tarefa lhe permitia ter sua própria teologia, mas não apresentá-la livremente. Sua prioridade não era proclamar e admoestar, mas preparar as condições para que isto pudesse ser feito. Ele não podia ceder ao desejo de fazer acréscimos pessoais nem de atender às necessidades dos destinatários.
Um exemplo: A igreja em Roma naquela época vivia entre perseguições. Ela tinha martírios atrás de si e à sua frente. Mas não foi por isso que Marcos deu tanto destaque à paixão em seu livro. Ele não poderia ter trazido outra tradição de Jesus a alguma igreja que vivesse sem ser importunada.
A ligação com a situação do autor ou dos destinatários, portanto, não é tão estreita em um evangelho como em uma pregação ou carta. O evangelista tinha de passar ao largo de muitas coisas para confrontar a cristandade com suas bases – narrando-lhe a tradição oficial. É sabido que as narrativas, em princípio, não contam com a existência do ouvinte e o desafio do momento. Elas não são apelos diretos, mesmo que também tragam ao ouvinte um leque de possibilidades.
Temos de nos libertar da ideia de que Marcos se dirigiu aos seus leitores como um pastor ao pregar – e com liberdade de escolher o texto. O evangelho de Marcos não é exatamente um objeto adequado para estabelecer a teologia pessoal do seu autor. Nas pesquisas recentes sua participação é bastante superestimada e ampliada, numa ou noutra direção. A situação um pouco diferente de Mateus e Lucas é indicada no item 3.
Portanto, contentamo-nos e conformamo-nos com os “traços característicos” do livro, sem levantar afirmações sobre que relação cada um deles tem com a teologia pessoal do autor.
b. As boas novas de libertação
Todos os evangelistas são unânimes em que os acontecimentos que eles relatam giram do começo até o fim em torno do “Reino de Deus”, que vem libertar a criação. Eles testemunham um movimento de libertação. A promessa de que Deus volta a ser rei permeia toda a Bíblia. Marcos, porém, ancora seu livro com firmeza em uma passagem específica da Bíblia. Ele dá a este evento do Reino de Deus o título “evangelho”. A relação desta expressão com o Livro da Consolação de Isaías (a partir do cap 40) será mostrada em 1.14,15. Logo no primeiro versículo ele coloca tudo sob a gloriosa palavra: “boas novas” (evangelho = boas novas).
No início da atividade pública de Jesus em 1.14,15, “evangelho” aparece logo duas vezes. Porém, ele também perpassa aquela metade do livro impregnada do tema da paixão (8.35; 10.29; 13.10; 14.9; cf 16.15). A estas oito passagens correspondem só quatro em Mateus; em Lucas falta o substantivo destacado, em João também o verbo relacionado.
c. Um livro de Jesus
Logo no primeiro versículo, Marcos vincula estas boas notícias a um nome próprio, uma pessoa com a qual o evangelho se confunde completamente: “Evangelho de Jesus Cristo”. Isto se destaca novamente do estilo de Mateus. Este liga “evangelho” com uma realidade: “Evangelho do Reino” (4.23; 9.35; 24.14; 26.13 é exceção). Podemos simplificar a diferença entre Mateus e Marcos nestes termos: Mateus traz um “livro sobre Isto”, Marcos um “livro sobre Ele”. O evangelho de Marcos é permeado em toda a sua extensão pela questão da identidade de Jesus: Quem é Jesus (cf 8.29).
Surgem expressões que usam o verbo ser, uma após outra: “Tu és meu Filho amado!” diz a voz do céu, primeiro a ele e depois aos três confidentes (1.11; 9.7). “Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?” perguntam seus discípulos (4.41). “Não é este o carpinteiro, filho de Maria?” acham seus conterrâneos (6.3). Herodes pensa: Este é o Batista, que ressuscitou. Outros: Ele é Elias, que voltou. Ainda outros: É um profeta (6.14s, 8.28). Os demônios confessam, rangendo os dentes: “Tu és o Santo de Deus” ou “Filho de Deus” (1.24; 3.11; 5.7). Seus parentes dizem: “Está fora de si” (3.21), os rabinos: “Ele está possesso” (3.22,30). Pedro confessa: “Tu és o [Messias] Cristo” (8.29). Para Bartimeu e os peregrinos que vão à festa ele é o “Filho de Davi” (10.47; 11.9s; cf 12.35). Até Judas o identifica, à sua maneira: “É esse!” (14.44), enquanto Pedro, para surpresa geral, cai fora e banca o desinformado: “Não conheço esse homem” (14.71). Caifás pergunta oficialmente: “És tu o Cristo?”, e Pilatos: “És tu o rei dos judeus?” (14.61 e 15.2), e recebem a resposta: “Eu o sou”, “Tu o dizes!” Pilatos repete a sua frase sempre de novo, verbalmente e por escrito: ele é “o rei dos judeus” (15.9,12,26), e seus soldados o imitam: “Salve, rei dos judeus” (15.18). Até os membros do conselho superior dizem: “Desça agora da cruz o Cristo, o rei de Israel!” (15.32). Contudo, ele fica lá e morre. Então o comandante ao pé da cruz confessa: “Verdadeiramente, este homem era o Filho de Deus!” (15.39). Na manhã da Páscoa os mensageiros celestiais dizem: “Ele ressuscitou” (16.6).
O que é decisivo é que este livro sobre “Quem é Jesus?” foi escrito para uma igreja antiga (cf 5e). O fato é que não é evidente que Jesus continua sendo Jesus para cristãos comprovados. Como nos são familiares os Jesus fabricados, distorcidos ou nebulosos! Os discípulos precisam, sempre de novo, hoje como antigamente, uma refocalização da sua fé. É este serviço que a tradição de Jesus lhes presta, a começar com este “evangelho de Jesus Cristo” segundo Marcos.
Uma igreja que negligencia a recordação do Jesus terreno, em breve também não terá mais o Cristo verdadeiro de hoje, que é o mesmo ontem e para sempre. Um espírito que não recorda o Cristo de ontem não é um Espírito Santo. Também nisto reside o verdadeiro impulso para a transmissão da tradição de Jesus entre os primeiros cristãos, e para sua conservação definitiva e quádrupla no Novo Testamento.
d. Riqueza de nomes
A resposta à pergunta pela identidade de Jesus é uma relação considerável de títulos. Ele é o Filho do Homem, o Filho de Deus, o Messias ou Rei, o Filho de Davi, o Senhor, o Santo de Deus, o Profeta e Mestre. De certos textos também se pode concluir que ele é o Mensageiro das Boas Novas, o Servo de Deus, o Pastor, o Noivo e o Valente.
Não é plausível que Jesus tenha viajado por toda a região com as maiores aspirações, mas sem títulos apropriados, como quer uma escola de exegese. Todos os títulos teriam sido formados mais tarde pela igreja. Entretanto, se sua entrada em cena causou perturbação e reflexão – e isto certamente foi o caso – então seus contemporâneos devem ter adotado nomes que o identificassem. Ele mesmo, que até a morte tinha plena certeza da sua missão, não deixou esta missão sem sentido e conteúdo para si e as outras pessoas, mas a definiu. Para isso serviam os nomes da esperança de salvação judaica, especialmente do conjunto de esperança do Antigo Testamento. Como toda profecia é fragmentária (1Co 13.9), todos os nomes sofriam uma transformação profunda assim que eram aplicados a Jesus. Mas Jesus não veio para inventar novos vocábulos.
Entre os nomes de Jesus se destacam “Filho do Homem” e “Messias”, e “Filho de Deus” tem uma função diretiva para todo o livro. Todavia, seria errado isolar um destes títulos e inflar a partir dele uma teologia do Filho do Homem ou do Filho de Deus e, quem sabe, até encontrar diferenças entre eles. Pelo contrário, todos formam juntos um único tecido, que em conjunto testifica o mistério da pessoa de Jesus. Aqui transparece o pensamento de que o sentido do nome espelha o conteúdo da pessoa. Quanto mais títulos, maior a glória. Só os deuses de povos primitivos podiam ficar sem nome; o Deus verdadeiro tem muitos nomes.
O fato de os três nomes mais significativos de Jesus – Filho de Deus, Filho do Homem e Messias – receberem destaque em conjunto durante a paixão de Jesus mostra quão pouco eles concorrem entre si. Na cruz, Jesus finalmente é plenamente o Filho (15.39), mas também o Messias (15.26) e, não por último, o Filho do Homem (8.31). Com isto estamos diante da resposta que realmente importa quanto ao significado destes nomes e de quem é este Jesus. Na cruz tudo fica evidente.
e. Um livro da paixão
A partir do século II, surgiram na igreja antiga numerosos “processos de mártires”, que relatavam com reverência o fim dos que tinham morrido por sua fé: sua prisão, interrogatório, tortura e morte. Estas descrições eram usadas para a edificação dos crentes no culto e também eram chamadas de passiones (sofrimentos). Será que nosso evangelho é o “processo de mártir” de Jesus?
Para um leitor desavisado, a impressão poderia ser esta. Ele entra em cena de repente, sem que se diga uma só palavra sobre sua infância, juventude e vida adulta. Já no começo do cap 2 aparece a acusação de blasfêmia, cuja pena é a morte (2.7). No começo do cap 3 sua morte já está decidida (3.6). Na seqüência, um grupo após outro o condena: os parentes (3.21), os teólogos (3.22), o povo (4.12), os gentios (5.17), a cidade natal (6.3), o rei (6.14ss) e os religiosos (7.5). O anúncio da própria morte de Jesus ocupa neste livro a posição central como nenhum outro assunto (8.31; 9.31; 10.33s). Nisto chama a atenção que Jesus usa de três a seis verbos para definir seu sofrimento, enquanto que para a ressurreição ele só usa um. Por último, os dias finais em Jerusalém ocupam um espaço superdimensionado (a partir do cap 11), mais ou menos um terço do livro. A ressurreição é descrita em poucos versículos (16.1-8).
É evidente que Marcos não tinha a intenção de dar o mesmo peso aos diversos aspectos da vida de Jesus. Seu interesse primordial era sua morte, porque ali ficou demonstrado definitivamente – sem contestação por toda a eternidade – quem é Jesus e como é Deus. Ali o segredo da sua pessoa foi revelado, bem como a condição para todos os seus títulos. Em sentido profundo ele já era antes da sua cruz, e continua depois da cruz, “o crucificado” (cf 1Co 2.2) – o Filho de Deus crucificado, o Filho do Homem crucificado e o Messias crucificado. Por isso a famosa conclusão de Martin Kähler em 1892, de que os evangelhos são histórias da paixão com uma introdução mais detalhada, aplica-se especialmente ao evangelho de Marcos.
Mesmo assim, permanece uma diferença essencial com os processos de mártires da igreja antiga. Ela não consiste somente no tom messiânico do relato da crucificação, também não na história da ressurreição, mas exatamente nesta “introdução detalhada”. Introduções não são escritas à toa, antes têm uma tarefa essencial. Elas conduzem o leitor até o ponto de onde ele tem a visão pretendida pelo autor. Em nosso caso se trata de ver a morte do Senhor do ângulo certo, com todo seu alcance e profundidade, com a diferença absoluta de todos os martírios do mundo. Na cruz morreu, para o leitor atento do evangelho de Marcos, não uma folha em branco, não um religioso anônimo, mas o portador das boas notícias de que fala o Livro da Consolação de Isaías, autenticado por palavras e ações. Ele morreu – como se pode ver nos milagres – para nos libertar em nossa existência de corpo, alma e espírito, de modo que sua morte se torna praticamente o cerne da mensagem de boas notícias. “Evangelho” é, a partir de agora, acima de tudo a morte, o sepultamento, a ressurreição e a aparição de Jesus (1Co 15.3-5). E para concluir: Jesus não morreu pela mão de romanos ou judeus, mas o próprio Deus o expôs para que fosse julgado em lugar do mundo todo.
f. Um livro dos discípulos
Uma segunda ênfase se nos apresenta, que, porém, nem por um momento suplanta o tema da paixão, antes o faz sobressair ainda mais. Marcos, em comparação com os outros evangelhos, mostra, com lente de aumento, a relação de Jesus com os discípulos.
Ele coloca a vocação dos discípulos logo no começo da atuação pública de Jesus (1.16-20), como primeiro ato. Dali em diante eles estão quase sempre presentes. Marcos, no entanto, não fala “dos discípulos”, como Mateus e Lucas o fazem geralmente, mas “dos seus discípulos”, e isto até o penúltimo versículo (16.7). Duas vezes ele também diz com destaque: ele “com os doze” (11.11, 14.17), cinco vezes “ele e seus discípulos”, “ele com os seus discípulos” (2.15; 3.7; 8.10,27; 14.14). Quando Jesus quer ficar sozinho, isto é registrado como algo que chamava a atenção. O fato de, no cap 15, ele ter de ficar sozinho, sem os seus discípulos, aparece como uma catástrofe. Portanto, “Jesus e seus discípulos”: este é o quadro que Marcos quer que seus leitores guardem na lembrança. Sem os discípulos dele, não se pode ter o Senhor. O que isto quer dizer?
Chegamos perto da resposta quando notamos que Marcos, no âmbito do grupo maior de discípulos, concentra a atenção nos “doze” (onze vezes, contra oito em Mateus e sete em Lucas). Os trechos em que aparecem os doze estão espalhados por sobre o livro como uma rede (Stock). Diferente do chamado para pregar (veja abaixo), durante o tempo em que Jesus estava com eles o outro motivo de vocação era mais importante para eles: “Para estarem com ele” (3.14, só em Marcos). Eles deviam viver de modo nunca antes visto com Jesus, com o único objetivo de compreender sua identidade. Para isso, Jesus dedicou uma parte considerável do seu tempo e esforço a estas poucas pessoas. Sempre de novo lemos em Marcos que ele os chamou de lado para o treinamento discipular, para que um dia pudessem entrar com força em um debate sobre a sua pessoa. A contraposição em 8.27-30 – os outros/mas vocês – é típica. Só estando com ele em intimidade é que poderiam compreender sua personalidade. Senão, ter-se-iam limitado a um entendimento verbal e intelectual de Jesus, que pode ser adquirido em livros.
É digno de nota que Jesus convocou os doze quando ele já era candidato à morte (3.6!). Estar com ele tinha relação especial, portanto, com seu caminho de sofrimento e a semana da paixão.
Por isso, a convivência com ele se torna tanto mais intensa quanto mais eles se aproximam de Jerusalém (10.32). Cada vez menos ele se ocupa das multidões, dos doentes, possessos ou adversários, cada vez mais só deles. No cap 14, finalmente, fala-se só deles (os doze: v 10,17,20,23; os discípulos no sentido dos doze: v 12,13,14,16,32). Em nenhuma fase ele quer deixá-los, nem por uma hora (14.37).
Entretanto, exatamente no momento para o qual seu relacionamento com Jesus fora planejado e preparado, acontece o rompimento terrível: Jesus morre sozinho. De acordo com 15.40,41, as mulheres representam os doze que estão ausentes. Porém não a ausência pesa contra os discípulos: para sempre a lembrança do grupo deles incluirá que um deles até traiu Jesus, “um dos doze”, como Judas geralmente é chamado. E “todos fugiram”. Uma empregada vincula Pedro mais uma vez com o estar-com-ele (14.67,70). Ele, no entanto, contesta, faz pouco caso. O cap 15, que conta o sofrimento, morte e sepultamento de Jesus, durante 47 versículos não menciona os discípulos nem uma vez. Um silêncio significativo. Ele documenta a ausência daqueles que deveriam estar presentes exatamente ali.
Nossa descrição, porém, ainda está incompleta em um aspecto. Todo o fracasso dos discípulos fora predito por Jesus (3.19; 14.18,27,30,72). Estes anúncios foram duros, mas manifestam uma fidelidade sem limites, que abrange até situações terríveis demais. Ainda que os seus discípulos o recusem totalmente, ele não os rejeita. Paciente ele sofre entre eles e por eles. É nesta hora que sua relação com eles adquire uma força e plenitude que supera tudo, da qual brota um novo estar-com-ele (14.28), na verdade ligado àquele que morreu por eles. De modo que foi a semana da paixão que lhes revelou a identidade dele – contrastando com o pano de fundo da vergonha e culpa deles. Não é de admirar que estes homens testemunhassem mais tarde de modo decisivo que o Senhor foi crucificado por nós.
Com isto chegamos ao segundo motivo do seu chamado: “para pregar” (3.14). O fato de estar com ele e de ele existir para eles não era uma demonstração particular de generosidade. O número doze já os colocava como os novos patriarcas de Israel, o alicerce do povo messiânico renovado e a base da raça humana redimida, que já fora mencionada nos “muitos” de 10.45 e 14.25. Fora para isto que ele os trouxera para si. Por meio deles ele queria estender sua atuação para além do seu contexto e tempo imediato. Eles são o instrumento da sua atuação universal de exaltado, até os confins do mundo habitado.
Por isso eles têm lugar tão destacado no “evangelho de Jesus Cristo”. Onde quer que ele seja anunciado hoje em dia, trata-se do evangelho deles. No Novo Testamento é que ele encontrou sua forma determinante. Este é o contexto de Jesus que o identifica, sua trilha visível, sua caixa de ressonância por excelência. Sempre de novo o poder de Jesus se manifesta a partir deles.
g. Um livro da igreja
Vimos o comissionamento dos doze, que aconteceu uma só vez na história, e, decorrentes dele, muitas outras coisas que são irrepetíveis. Além deste aspecto incomparável, porém, há muitas coisas em que se pode seguir o exemplo deles, em que os doze servem de modelo. Todavia, modelo para quem?
No transcorrer da história da igreja, quem se apossou dos doze foi especialmente a hierarquia eclesiástica. Papas e cardeais se referiam a eles e se diziam sucessores diretos deles. Infelizmente, assim os doze discípulos foram distanciados dos cristãos comuns. Isto quando nenhum outro grupo de discípulos está tão próximo deles como estes doze.
Certamente esta afirmação pode parecer surpreendente. Ela pelo menos não parece óbvia quando nos conscientizamos de que o “cristão comum”, em sua vida exterior, tem pouco em comum com os doze. Diferente deles, ele leva uma vida familiar regular, ligado à casa e ao emprego. Não deveria ele buscar exemplos no círculo maior de seguidores de que Jesus dispunha naquela época nas aldeias e cidades da Palestina? Este círculo mais amplo, que não seguia a Jesus literalmente, pelo menos lhe era submisso e fiel, às vezes até mais do que os doze (p. ex. 15.42-46). Por isso é surpreendente que os primeiros cristãos, ao transmitirem a tradição, cultivaram muito pouco a lembrança destes amigos de Jesus, e deixou que eles em sua maior parte caíssem em esquecimento. Em comparação com seu grande número, são poucos de quem sabemos os nomes, menos ainda de quem se conta uma história completa. Em vez disto, o interesse principal residia no círculo íntimo dos que andavam separados com Jesus. Capítulo após capítulo são eles que ocupam o centro das atenções.
Isto tem um bom motivo. Em outro sentido, muito mais decisivo, são eles que estão mais próximos do crente simples do que aquele círculo mais amplo. Este só tinha contato esporádico com Jesus, enquanto os doze estavam com ele todos os dias e em todos os lugares. Esta é a questão-chave. Foi sobre os cristãos depois da Páscoa que se pronunciou a promessa: Eis que estou com vocês todos os dias, em todos os lugares estou no meio de vocês, tenho contato constante com vocês! Como a comunhão de Jesus conosco não toma a forma de visitas de médico e não está vinculada a certos lugares de romaria, os doze discípulos correspondem muito melhor conosco.
Parece que este é também o conteúdo dos trechos que falam dos doze em Marcos. São eles que fazem com que o livro seja o livro para a igreja, e devem ser interpretados de uma maneira que nos leve a dizer: “É assim comigo!”

Enfim, finalizamos mais um comentário bíblico sobre o Evangelho de Marcos. Que sua pessoa, segue invólucro no cognoscível das Escrituras Sagradas, para livrar-te de todo engano promovido por interpretações “eisegética”, seguida de pressupostos teológicos equivocados, em assuntos que querem dessacralizar a Igreja. Porfiamos por uma verdadeira interpretação “exegética” dos textos Sagrados, para, enfim termos o verdadeiro sentido das palavras que o autor quis expressar.
Paz do Senhor Jesus! Até a próxima postagem.   

Referências Bibliográficas  
Bultmann, R., Die Geschichte der synoptischen Tradition, FRLANT N.F. 12, Göttingen 51961.
Büchsel, Fr., Jesus, Verkündigung und Geschichte, Gütersloh 1947.
Bürgener, K., Die Auferstehung Jesu Christi von den Toten, Der Versuch einer Osterharmonie, Berlin 21971.
Conzelmann, H., Grundriss der Theologie des Neuen Testaments, EEth 2, München 1967.
Conzelmann, H., Theologie als Schriftauslegung, Aufsätze zum Neuen Testament, BevTH 65, München 1974.
Cullmann, O., Die Christologie des Neuen Testaments, Tübingen 21958.
Cullmann, O., Heil als Geschichte, Heilsgeschichtliche Existenz im Neuen Testament, Tübingen 1965.

Profº Euler Lopes 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O Evangelho de Marcos

Lugar de escrita e primeiros leitores

a. A tradição
O livro não menciona diretamente nenhum lugar de composição, mas já ouvimos que a tradição quanto a autor e destinatários aponta inconteste para Roma. Só uma voz tardia e isolada propõe Alexandria no Egito. Supunha-se uma atuação de Marcos no Egito (cf 2e). Disto Crisóstomo, por volta de 390, parece ter concluído inadvertidamente que Marcos também compôs ali seu evangelho. Portanto, ficamos com Roma, já que vimos que o testemunho interno do livro não se opõe a isto (cf 2d).

b. Suposições mais recentes
Na medida em que a pesquisa atual não segue a tradição, ela deixa esta questão em aberto (Bornkamm) ou tende a imaginar alguma cidade do Oriente do Império como lugar de escrita. (Kümmerl (p 55) acha que a composição em uma cidade “do Oriente é muito provável”. Schmithals (p 61): “… antes no Oriente”. Schreiber se decide pela Síria. Pontos de referência concretos para estas afirmações inexistem. Marxsen, um célebre pesquisador de Marcos, arriscou-se bastante nesta questão em 1959 e sugeriu a redação na Galiléia, sem, porém, angariar apoio. Que sentido, então, teriam esclarecimentos como o de 7.3s? À redação no contexto aramaico já se opõe a tradução de termos para o grego ou até para o latim. De qualquer forma já é estranho que o registro da tradição de Jesus se mostrasse necessária primeiro na Palestina. Com certeza ali as lembranças pessoais de Jesus eram mais intensas, e a tradição oral bem mais desenvolvida do que na distante Roma pagã.
Portanto, tudo favorece a tradição antiga. “Não há nenhum argumento sólido contra a tradição que diz que o evangelho foi escrito em Roma”, dizia Harnack já no começo do século. Pesch descobre, duas gerações de pesquisadores depois: “Não há nada contra a origem romana do evangelho de Marcos”.

c. A situação geral na Roma do século I
Quando o imperador Augusto morreu no começo do século (ano 14), ele tinha deixado Roma esplêndida. Ele “embelezou tanto a capital, que podia realmente gabar-se de ter encontrado uma cidade de barro e feito dela uma cidade de mármore”, relata um historiador romano.
A cidade, de um milhão de habitantes, hospedava um misto colorido de povos, línguas, culturas e religiões. O empurra-empurra nas ruas era tanto que só se permitia o tráfego de carroças à noite. O porto de Roma, Óstia, tornou-se o centro do comércio mundial. O panorama da cidade estava semeado de construções públicas de primeira. As casas particulares não ficavam para trás. Nas casas de banhos dos patrícios, a água corria de canos de prata para banheiras de mármore, espelhos de metal enfeitavam as paredes, instalações de ar quente aqueciam o ambiente. As paredes das residências estavam cobertas de tapeçarias caras, os assoalhos de mosaicos, os tetos de lambris. O desperdício nos banquetes praticamente não tinha limites. Não faz sentido nem mesmo começar a alistar o que havia de pratos exóticos. Providenciava-se música ao vivo para as refeições, e serenatas. Havia vezes em que flores choviam do teto, outras em que dançarinas se apresentavam.
É claro que tudo isto tinha seu lado escuro: as favelas dos pobres, sem os quais esta civilização não poderia existir, e os navios, impulsionados por escravos cheios de desespero e ódio, que diariamente reabasteciam os portos de produtos. O retrato em cores berrantes da derrocada moral do século I temos graças ao escritor romano Tácito: crise econômica, corrupção, anarquia total, apodrecimento da sociedade e um clima geral de decadência. Todos conhecemos a expressão de perplexidade: “Isto aqui parece a Roma antiga!”
A ética do trabalho estava ausente quase de todo. Milhares viviam de subsídios do Estado. Durante o dia matavam o tempo. O ponto alto da sua existência triste era a vida noturna. Iam para orgias com a intenção de se embebedarem. O resultado geralmente era um carnaval absurdo pelas ruas noturnas, farras em bordéis, cenas de ciúmes, brigas e ressacas. Assim Roma se encaminhava inconscientemente para o dia do juízo de Deus. Contra este pano de fundo pode-se ler p. ex. Rm 13.11-14: “Digo isto a vós outros que conheceis o tempo: já é hora de vos despertardes do sono; porque a nossa salvação está, agora, mais perto do quando no princípio cremos. Vai alta a noite, e vem chegando o dia. Deixemos, pois, as obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz. Andemos dignamente, como em pleno dia, não em orgias e bebedices, não em impudicícias e dissoluções, não em contendas e ciúmes; mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo.” Com uma força de irradiação impressionante, como um sol de graça, verdade e justiça, Cristo tinha nascido no horizonte destas pessoas. Principalmente para esta igreja é que Marcos também escreve.

d. A comunidade judaica em Roma
Tratamos da comunidade judaica porque ela, como em todo o Império, faz parte do contexto histórico anterior à igreja.
Na Bíblia lemos já em At 2.10 que havia judeus morando em Roma. A informação mais antiga sobre vida judaica na capital remonta ao ano 139 a.C. Calcula-se que o número de judeus no início do século I chegava a 40.000; mais tarde Roma chegou a ter mais judeus do que Jerusalém. Há menção de pelo menos treze sinagogas na Roma antiga. Todas cultivavam laços estreitos com a pátria. Quantias consideráveis fluíam para a manutenção do templo amado em Jerusalém.
Como foi que uma comunidade judaica tão grande se formou em Roma? Em primeiro lugar, muitos judeus tinham sido levados como escravos de guerra para lá. Com frequência eram libertos em pouco tempo, porque insistiam teimosamente em guardar o sábado. Ou sua liberdade era comprada pelos correligionários. Muitos permaneceram em Roma. Outros eram levados por sua competência empresarial para este centro comercial de primeira grandeza, e ainda outros por seu fervor missionário. Em Mt 23.15 Jesus lhes concede: “Rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito”. Por último pesava a favor dos judeus seu amor pelas crianças, promovido pela lei de Moisés. O abandono de crianças, a famosa chaga da Antiguidade, entre eles era malvisto.
Quando Herodes o Grande provou ser um apoio confiável dos interesses romanos no Oriente do Império, a influência da comunidade judaica junto à corte cresceu. Disto resultaram alguns belos privilégios: os judeus podiam guardar seu sábado, eram isentos do serviço militar e gozavam de liberdades de reunião especiais. Suas relações com Roma em certas épocas eram tão boas que em Jo 19.12 eles puderam ameaçar Pilatos: “Se soltas a este, não és amigo de César”.
O movimento nascente de cristãos tirou proveito desta generosidade para com os judeus, pois para os de fora eles não passavam de uma questão judaica interna. Por isso a igreja pôde instalar-se também em Roma, numa época em que as autoridades agiam com rigor contra a introdução de novas religiões.
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e. A igreja em Roma
Nossa definição de que o evangelho de Marcos era dirigido aos cristãos romanos não deve ser muito estreita. Certamente também a Itália como província circundante estava em vista, talvez todos os cristãos gentios do Ocidente. Mesmo assim, o centro das atenções era a capital.
Hengel (Geschichtsschreibung, p 91) vê motivos para imaginar o início do evangelho em Roma entre os anos 37 e 41. Judeus convertidos em Jerusalém vieram para a capital e desenvolveram seu trabalho missionário entre seus conterrâneos. Uma informação um pouco mais segura temos do escritor romano Suetônio. Ele conta de tumultos frequentes entre os judeus na época do imperador Cláudio (41-54), incitados por um tal de “Chrestos”, o que pode ser uma distorção de “Cristo”. Os romanos podem ter confundido o nome “Cristo”, incomum para os seus ouvidos, com o nome próprio Chrestos, bastante frequente entre eles. Nos debates internos entre judeus e cristãos a discussão sobre Cristo deve ter sido tão acalorada e decisiva, que os de fora foram levados a crer que um homem com este nome estava entre eles. Estes acontecimentos levaram à expulsão dos judeus inquietos, parece que em especial dos judeus cristãos (At 18.2), no ano 49. Entretanto, como At 28.15 pressupõe, eles logo puderam voltar, contudo desenvolvendo-se separados da sinagoga. Os cristãos ainda não era suspeitos na corte, pois Paulo pôde apelar com otimismo para o imperador no ano 55, esperando dele um processo justo (At 25.11; 28.30). No ano 60 ele parece ter sido liberto.
Depois do martírio do irmão do Senhor, Tiago, no ano 62 em Jerusalém, a primeira igreja começa a abandonar a cidade passo a passo. Em consequência disto, Pedro chega a Roma, “Babilônia”, por volta do ano 63, onde Marcos é seu auxiliar (1Pe 5.13). O período seguinte o aproximou também mais uma vez bastante de Paulo. A 1ª carta de Clemente (escrita nos anos 90), registra o martírio conjunto dos dois apóstolos em Roma. Com bastante certeza, a morte deles está ligada aos acontecimentos que sucederam ao incêndio da capital no ano 64, pois de outra perseguição naqueles anos não se tem notícia. O imperador Nero foi acusado de ser o responsável pela catástrofe, e transferiu esta culpa para os cristãos. Ele conseguiu desviar a ira do povo para esta religião nova e ainda estranha. Tácito e 1Clemente narram como mulheres cristãs eram jogadas na arena para serem pisoteadas por touros selvagens, como as vítimas eram mortas por cães raivosos e incendiadas em fogueiras para diversão do povo nos parques do monte Vaticano.
Como os judeus saíram ilesos, a separação dos dois grupos nesta ocasião já deve ter sido de domínio público. Para isto podem ter contribuído outros fatores. Antes de tudo, havia o interesse e esforço dos judeus de fazer com que estes cristãos não fossem mais considerados iguais a eles. Além disso, parece que entre os cristãos se manifestaram tendências radicais, senão Paulo não teria insistido tanto, em sua carta escrita mais ou menos no ano 57, na lealdade para com as autoridades e no pagamento dos impostos (Rm 13.1-7). Se a carta aos filipenses provém do cativeiro em Roma, então o evangelho já tinha penetrado há muito nos círculos imperiais (Fp 4.22), de modo que estes tinham informações de primeira mão de que os cristãos eram um movimento à parte.
Pressupondo que muitos detalhes de notícias posteriores já podiam ser delineados em anos anteriores, podemos caracterizar a igreja em Roma na época de Marcos com seis pontos:
1. Ela era uma das igrejas mais antigas e ricas em tradições do Império, onde o evangelho era antes algo costumeiro do que desconhecido;
2. Tácito confirma a força numérica da igreja. Além da imigração que uma capital sempre experimenta, fazia-se muito trabalho missionário e conseguiam-se adeptos em famílias influentes, tanto que mais tarde Inácio temia que os irmãos em Roma poderiam impedir o martírio que ele desejava;
3. Os cristãos em Roma tinham adquirido uma posição de preeminência entre as igrejas do Império. Paulo batera à porta, obsequioso (Rm 1.8; 16.16), Pedro tinha atuado ali (1Pe 5.13), cartas importantes eram dirigidas a eles: as de Paulo, aos Hebreus e de Inácio, mais tarde. Por volta de 96, o bispo Clemente de Roma procurou, com responsabilidade fraternal, apaziguar com uma carta o conflito em Corinto;
4. A característica da igreja era gentia. Paulo já teve de advertir a pretensa superioridade diante da minoria judaica (Rm 11.17-24; cap 14 e 15);
5. Em Roma vivia uma comunidade de mártires, experiente no sofrimento. A deportação sob Cláudio e especialmente as vítimas recentes do imperador Nero ainda estavam vivas na memória. A Guerra Judaica estava em pleno andamento. O ressentimento dos romanos com os judeus em todo o Império não poderia ficar sem efeitos para a causa cristã. Novas nuvens escuras surgiam no horizonte;
6. Com o desaparecimento das autoridades originais e das primeiras testemunhas, houve uma mudança de gerações. Em vista disto, Marcos interveio e garantiu à igreja a tradição de Jesus. Nós o incluímos entre os “homens da parte de Deus”, que “falaram”, “movidos pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21).
Paz! Até a próxima postagem.


Referências Bibliográficas; COMENTÁRIO ESPERANÇA.  Autor  Adolf  Pohl Editora Evangélica Esperança

Prof°  Euler lopes